sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O Livro de Dzyan / Antropogênese - 1ª Parte

ANTROPOGÊNESE 
-  O LIVRO DE DZYAN -
Helena Blavatsky


Das  Estâncias do Livro de Dzyan*
* São dadas somente quarenta e nove Slokas de algumas centenas. Nem todos os versos são traduzidos literalmente. Às vezes é usada uma perífrase para maior clareza e inteligibilidade onde uma tradução literal causaria inteligibilidade.

ESTÂNCIA I

1. O Lha que faz girar a quarta é subserviente ao Lha dos Sete, eles que giram conduzindo seus carros em torno de seu Senhor, o Olho Uno. Seu Sopro deu vida aos Sete; deu vida ao primeiro.

2. Disse a Terra: – "Senhor da Face Brilhante: minha casa está vazia. . . . envia teus filhos para povoar esta roda. Enviaste teus sete filhos para o Senhor da Sabedoria. Sete vezes te vê mais perto de si, sete vezes mais ele te sente. Tu proibiste teus servos, os pequenos anéis, de absorver tua luz e calor, de interceptar tua generosidade em sua passagem. Manda agora, à tua serva, o mesmo."

3. Disse o "Senhor da Face Brilhante": – "Enviarei a ti um fogo quando tua obra começar. Levanta tua voz aos outros Lokas; pede a teu pai, o Senhor do Lótus, para que te envie seus filhos. . . . Teu povo deverá estar sob o governo dos Pais. Teus homens serão mortais. Os homens do Senhor da Sabedoria, não os Filhos Lunares, são imortais. Cesse tuas lamentações. Tuas sete peles ainda estão em ti. . . . Não estás pronta. Teus homens não estão prontos."

4. Depois de uma grande convulsão, ela jogou fora suas três velhas peles e vestiu suas sete novas peles e permaneceu com a sua primeira.

ESTÂNCIA II

5. A roda girou por mais trinta crores**. Ela construiu os rupas: pedras moles que se solidificaram. O visível a partir do invisível, insetos e pequenas vidas. Ela os sacudia de suas costas cada vez que invadiam a mãe. . . . Depois de trinta cores ela mudou sua posição. Ela se deitou de costas; de lado . . . Ela não queria chamar nenhum filho do Céu, não queria pedir nenhum filho da Sabedoria. Ela criou de seu próprio seio. Desenvolveu os homens aquáticos, terríveis e perversos.
  **Termo que se usa em Bengala para significar dez milhões

6. Os homens aquáticos terríveis e perversos ela mesma os criou com os restos dos outros, com as escórias e limo de sua primeira, segunda e terceira, ela os formou. Os Dhyanis vieram e olharam – os Dhyanis do brilhante Pai-Mãe, das regiões brancas eles vieram, das moradas dos mortais imortais.

7. Eles estavam descontentes. Nossa carne não está lá. Esses não são rupas adequados para nossos irmãos da quinta. Não são moradas para as vidas. Água pura, não turva, eles deviam beber. Sequemo-las.

8. As chamas vieram. Os fogos com as centelhas; os fogos da noite e os fogos do dia. Secaram as turvas águas escuras. Com seu calor, as evaporaram. Os Lhas do Alto, os Lhamayin de abaixo vieram. Eles destruíram as formas de duas e quatro faces. Eles lutaram com os homens-cabras e com os homens com cabeça de cachorro e os homens com corpos de peixe.

9. A água-Mãe, o grande mar, chorou. Ela se levantou, desapareceu na lua que a tinha levantado, que lhe deu nascimento.

10. Quando eles foram destruídos, a Terra-Mãe ficou nua. Ela pediu para ser secada.

ESTÂNCIA III

11. O Senhor dos Senhores veio. Ele separou, do corpo da Mãe-Terra, as águas e estas eram o Céu de cima, o primeiro Céu. .

12. Os grandes Chohans chamaram os Senhores da Lua de corpos aéreos. "Produzis homens, homens de vossa natureza. Dai-lhes vossas formas internas. Ela construirá as vestimentas externas. Masculinos-femininos eles serão. Também Senhores da Chama. . . ."

13. Cada um foi para sua terra destinada: sete deles, cada um na sua zona. Os Senhores da Chama ficaram para trás. Eles não queriam ir, eles não queriam criar.

ESTÂNCIA IV

14. As Sete Legiões, os "Senhores nascidos da Vontade", impulsionados pelo Espírito que dá a Vida, separaram os homens de si mesmos, cada um em sua própria zona.

15. Sete vezes sete Sombras dos homens futuros nasceram, cada um com sua própria cor e espécie. Cada um inferior ao seu pai. Os pais, os sem ossos, não podiam dar vida aos seres com ossos. A progênie deles era Bhûta, sem forma e sem mente. Por isso, eles foram chamados Chhaya.

16. Como o Manushya nasceu? Os Manus com mentes, como eles foram feitos? Os pais pediram ajuda a seu próprio fogo; que é o fogo que arde na Terra. O Espírito da Terra chamou, para sua ajuda, o Fogo Solar. Esses três produziram, em seu esforço conjunto, um bom rupa. Ele podia ficar em pé, andar, correr, reclinar ou voar. Mas ainda assim era apenas um Chhaya, uma sombra sem mente.

17. O sopro precisava de uma forma; os Pais a deram. O sopro precisava de um corpo grosseiro; a Terra o moldou. O sopro precisava do Espírito da Vida; os Lhas Solares o sopraram em sua forma. O sopro precisava de um Espelho de seu Corpo; "Nós lhe demos o nosso" disseram os Dhyanis. O sopro precisava de um Veículo dos Desejos; "Ele o tem", disse o que esgotou as Águas. Mas o Sopro precisa de uma mente para abraçar o Universo; "Não podemos dá-la" disseram os Pais. "Eu nunca a tive" disse o Espírito da Terra. "A forma seria consumida se eu lhe desse a minha", disse o Grande Fogo. . . . O homem permaneceu um Bhûta vazio e sem mente. . . . Assim os sem ossos deram vida àqueles que se tornaram homens com ossos na terceira.

ESTÂNCIA V

18. A primeira eram os filhos da Yoga. Seus filhos, os filhos do Pai Amarelo e da Mãe Branca.

19. A Segunda Raça foi o produto do desabrochar e da expansão, A Assexuada procedente da Sem-Sexo.* Assim foi, ó Lanu, a Segunda raça produzida.
* Aqui são dados a idéia e o espírito da sentença, uma vez que uma tradução literal seria pouco inteligível para o leitor.

20. Seus pais foram os nascidos por si mesmos. Os nascidos por si mesmos, os Chhaya procedentes dos corpos brilhantes dos Senhores, os Pais, os Filhos do Crepúsculo.

21. Quando a raça envelheceu, as águas antigas misturaram-se com as águas novas. Quando suas gotas ficaram turvas, elas esvaeceram e desapareceram na nova corrente, na corrente cálida da vida. O exterior da primeira tornou-se o interior da segunda. A Asa velha transformou-se na nova sombra e na Sombra da Asa.

ESTÂNCIA VI

22. Então a Segunda desenvolveu os Nascidos do Ovo, a Terceira. O suor aumentou, suas gotas cresceram e as gotas se solidificaram e tomaram forma globular. O Sol aqueceu a grande gota; a Lua a esfriou e a moldou; o vento a alimentou até que ela amadureceu. O cisne branco da abóbada estrelada iluminou a grande gota. O ovo da raça futura, o Homem-Cisne da terceira seguinte. Primeiro, macho-fêmea, depois homem e mulher.

23. Os nascidos por si mesmos eram os Chhayas: as Sombras dos corpos dos Filhos do Crepúsculo.

Continua...


sábado, 21 de setembro de 2019

Jesus Cristo segundo São João - Capítulo 04

O POÇO DE JACÓ




DIÁLOGO COM A SAMARITANA - 1Quando Jesus soube que chegara aos ouvidos dos fariseus que Ele conseguia mais discípulos e baptizava mais do que João - 2embora não fosse o próprio Jesus a baptizar, mas sim os seus discípulos - 3deixou a Judeia e voltou para a Galileia.

4Tinha de atravessar a Samaria. 5Chegou, pois, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacob tinha dado ao seu filho José. Ficava ali o poço de Jacob. 6Então Jesus, cansado da caminhada, sentou-se, sem mais, na borda do poço. Era por volta do meio-dia.

7Entretanto, chegou certa mulher samaritana para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-me de beber.» 8Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. 9Disse-lhe então a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim que sou samaritana?» É que os judeus não se dão bem com os samaritanos. 10Respondeu-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom que Deus tem para dar e quem é que te diz: ‘dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias, e Ele havia de dar-te água viva!»

11Disse-lhe a mulher: «Senhor, não tens sequer um balde e o poço é fundo... 12Onde consegues, então, a água viva? Porventura és mais do que o nosso patriarca Jacob, que nos deu este poço donde beberam ele, os seus filhos e os seus rebanhos?»

13Replicou-lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede; 14mas, quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte de água que dá a vida eterna.»

15Disse-lhe a mulher: «Senhor, dá-me dessa água, para eu não ter sede, nem ter de vir cá tirá-la.» 16Respondeu-lhe Jesus: «Vai, chama o teu marido e volta cá.» 17A mulher retorquiu-lhe: «Eu não tenho marido.»

Declarou-lhe Jesus: «Disseste bem: ‘não tenho marido’, 18pois tiveste cinco e o que tens agora não é teu marido. Nisto falaste verdade.»

19Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és um profeta! 20Os nossos antepassados adoraram a Deus neste monte, e vós dizeis que o lugar onde se deve adorar está em Jerusalém.»

21Jesus declarou-lhe: «Mulher, acredita em mim: chegou a hora em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, haveis de adorar o Pai. 22Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. 23Mas chega a hora - e é já - em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são assim os adoradores que o Pai pretende. 24Deus é espírito; por isso, os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade.» 25Disse-lhe a mulher: «Eu sei que o Messias, que é chamado Cristo, está para vir. Quando vier, há-de fazer-nos saber todas as coisas.» 26Jesus respondeu-lhe: «Sou Eu, que estou a falar contigo.»

27Nisto chegaram os seus discípulos e ficaram admirados de Ele estar a falar com uma mulher. Mas nenhum perguntou: ‘Que procuras?’, ou: ‘De que estás a falar com ela?’

28Então a mulher deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àquela gente: 29«Eia! Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Não será Ele o Messias?» 30Eles saíram da cidade e foram ter com Jesus.

31Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Rabi, come.» 32Mas Ele disse-lhes: «Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis.» 33Então os discípulos começaram a dizer entre si: «Será que alguém lhe trouxe de comer?»

34Declarou-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra. 35Não dizeis vós: ‘Mais quatro meses e vem a ceifa’? Pois Eu digo-vos: Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa. 36Já o ceifeiro recebe o seu salário e recolhe o fruto em ordem à vida eterna, de modo que se alegram ao mesmo tempo aquele que semeia e o que ceifa. 37Nisto, porém, é verdadeiro o ditado: ‘um é o que semeia e outro o que ceifa’. 38Porque Eu enviei-vos a ceifar o que não trabalhastes; outros se cansaram a trabalhar, e vós ficastes com o proveito da sua fadiga.»

39Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram nele devido às palavras da mulher, que testemunhava: «Ele disse-me tudo o que eu fiz.» 40Por isso, quando os samaritanos foram ter com Jesus, começaram a pedir-lhe que ficasse com eles.

41E ficou lá dois dias. Então muitos mais acreditaram nele por causa da sua pregação, e diziam à mulher: 42«Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo.»


SEGUNDO SINAL EM CANÁ: A CURA DO FILHO DO FUNCIONÁRIO REAL (Mt 8,5-13; Lc 7,1-10) - 43Passados aqueles dois dias, Jesus partiu dali para a Galileia. 44Ele mesmo tinha declarado que um profeta não é estimado na sua própria terra. 45No entanto, quando chegou à Galileia, os galileus receberam-no bem, por terem visto o que fizera em Jerusalém durante a festa; pois eles também tinham ido à festa.

46Veio, pois, novamente a Caná da Galileia, onde tinha convertido a água em vinho. Ora havia em Cafarnaúm um funcionário real que tinha o filho doente. 47Quando ouviu dizer que Jesus vinha da Judeia para a Galileia, foi ter com Ele e pediu-lhe que descesse até lá para lhe curar o filho, que estava a morrer.

48Então Jesus disse-lhe: «Se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não acreditais.» 49Respondeu-lhe o funcionário real: «Senhor, desce até lá, antes que o meu filho morra.»

50Disse-lhe Jesus: «Vai, que o teu filho está salvo.» O homem acreditou nas palavras que Jesus lhe disse e pôs-se a caminho. 51Enquanto ia descendo, os criados vieram ao seu encontro, dizendo: «O teu filho está salvo.» 52Perguntou-lhes, então, a que horas ele se tinha sentido melhor. Responderam: «A febre deixou-o há pouco, depois do meio-dia.» 53O pai viu, então, que tinha sido exactamente àquela hora que Jesus lhe dissera: «O teu filho está salvo». E acreditou ele e todos os da sua casa.

54Jesus realizou este segundo sinal miraculoso ao ir da Judeia para a Galileia.


Continua...

sábado, 14 de setembro de 2019

Corpus Hermeticus IX

CORPUS HERMETICUM
De Hermes Trismegisto


IX - SOBRE A INTELECÇÃO E A SENSAÇÃO
(O BELO-E-BOM RESIDE APENAS EM DEUS E EM NENHUMA OUTRA PARTE.)

1 Ontem, Asclépios, fiz conhecer o meu "Discurso Perfeito". Hoje, é necessário que eu dê seqüência àquele discurso, expondo a doutrina da sensação. Segundo a opinião comum, sensação e intelecção diferem nisto: uma é de natureza material, e outra de natureza essencial; segundo minha opinião, ao contrário, as duas perfazem apenas uma e não comportam distinção, isto é, entre os humanos, pois se entre os outros animais a sensação se une à natureza, entre os humanos una-se, por outro lado, à intelecção. (O intelecto difere da intelecção da mesma forma que Deus da atividade divina. Com efeito, a atividade divina é produzida por Deus e a intelecção é produzida pelo intelecto, sendo irmã de logos. Ou melhor, a intelecção e o logo são instrumentos um do outro: pois nem o discurso (logos) é enunciado sem intelecção, nem a intelecção é manifestada sem o concurso do logos.)
A sensação e a intelecção presentificam-se no ser humano conjuntamente, quase enlaçadas uma à outra. Pois nem o conhecimento intelectual é possível sem a sensação, nem a percepção sensível sem a intelecção. - Mas poder-se-ia conceber uma intelecção sem sensação, como a representação das visões imaginárias durante os sonhos? - Parece-me, quanto a mim, que essas duas faculdades desapareceram na visão dos sonhos, enquanto que na vigília, a intelecção sempre está unida à sensação. Pelo menos a sensação se encontra dividida entre o corpo e alma, e quando essas duas partes da sensação se reúnem em comum acordo, então a intelecção é enunciada pela palavra, uma vez que foi gerada pelo intelecto.
3 Com efeito, o intelecto gera todos os conceitos, conceitos bons quando recebe as sementes de Deus, conceitos contrários quando de um dos seres demoníacos, pois não existe um lugar do mundo que não seja habitado por um daimon, o qual vindo se insinuar no intelecto, semeia a essência de sua energia própria. E o intelecto gera então o que foi semeado: adultérios, assassínios, sevícia nos pais, sacrilégios, atos de impiedade, suicídios por enforcamento ou atirando-se nos precipícios, e coisas semelhantes, são obras do daimons.
4 Quanto às sementes de Deus, são pouco numerosas, mas grandes, belas e boas: a virtude, a temperança e a piedade. A piedade é o conhecimento de Deus e aquele que aprendeu a conhecer a Deus, repleto que está de seus bens, tem intelecção de Deus e elas não são semelhantes à da massa. Por esta razão, aqueles que permanecem no conhecimento não agradam à massa e esta também não o agrada. Parecem tomados pela demência e são expostos à chacota pública, são odiados e desprezados e pode-se até matá-los. Pois, eu já o disse, o mal deve necessariamente habitar cá embaixo, aqui está seu domínio próprio: seu domínio com efeito é a Terra, não o mundo como muitos dirão com um propósito blasfematório. Todavia o humano temente a Deus saberá tudo suportar porque tomou consciência do conhecimento. Para um tal humano as coisas são boas, mesmo aquelas que são más para os outros. Quando lhe preparam emboscadas e armadilhas, relaciona tudo com o conhecimento e é o único de todos os humanos que torna os males em bens.

5 Retomo novamente a teoria da sensação. É própria do humano portanto a reunião, em, si, íntima da sensação e da intelecção. Mas como já disse mais acima, nem todo humano possui a intelecção. Pois há dois tipos de seres humanos: o material e o essencial. Um, o material, associado ao mal, recebe, como já disse, dos demônios a semente da intelecção, os outros são associados ao bem essencialmente. Deus os mantém a salvo. Deus, o construtor do universo, quando fez todos os seres, fê-los semelhantes, mas aqueles, após terem sido criados bons, diferiram pela maneira como usaram sua atividade. Pois o movimento do mundo, por sua fricção dá às gerações tal ou qual qualidade, empesteando alguns pela malícia, purificando os outros pelo bem. Pois o mundo, ó Asclépios, tem também sua sensação e sua inteligência próprias, não semelhantes àquelas do ser humano, nem sob a relação da variedade, mas em geral mais forte e mais simples.
Única é, com efeito, a sensação e a intelecção do mundo, fazer as coisas e desfazê-las, como instrumento da vontade de Deus que o criou realmente em forma de instrumento a fim de que conservando em seu seio todas as sementes que recebeu de Deus, produza em si mesmo todos os seres eficazmente, pois, dissolvendo-os, renova-os e que na seqüência, tendo esses seres sido assim. dissolvidos, como um bom semeador de vida, pelas mutações que acarreta seu próprio movimento, fornece a todos renovação. Nada existe que não tenha sido engendrado pelo mundo; pelo seu próprio movimento vivifica todos os seres e é, ao mesmo tempo, o lugar e o criador da vida.
Todos os corpos são feitos de matéria, mas de uma maneira diversa, uns da terra, outros da água, ou de ar, ou de fogo. Todos são corpos compostos, segundo uma fórmula mais complexa ou mais simples: os mais complexos são os corpos mais pesados, os mais simples os corpos mais leves. É a rapidez do movimento do mundo que causa a diversidade qualitativa das gerações. Pois o sopro do mundo, sucedendo-se sem interrupção, oferece continuamente aos corpos qualidades novas, e existe apenas um todo, o todo da vida.
8 Assim então Deus é o pai do mundo, e o mundo é o pai dos seres que existem no mundo; o mundo é o filho de Deus e os seres que estão no mundo são provenientes do mundo. É correto, portanto, que o mundo tenha sido chamado uma ordem (kosmos): pois do conjunto dos seres, compõe-se uma ordem pela diversidade da geração, e pela continuidade da vida, e pela infatigável constância de sua operação pelo movimento rápido da necessidade e pela combinação dos elementos e pela boa ordem de tudo o que vem a ser. Portanto, é por uma espécie de necessidade e com uma inteira conveniência que o mundo pode ser chamado kosmos. Assim, entre todos os viventes a sensação e a intelecção se introduzem de fora, como uma brisa surgindo da atmosfera; mas o Mundo, este as recebeu de uma vez por todas no instante em que veio a ser, e é de Deus quem as recebeu e é ele que as mantém.
Quanto a Deus, ele não é desprovido de sensação e de intelecção, como alguns o pensarão
- é por um excesso de reverência que eles blasfemam. Pois os seres que existem, Asclépios, estão em Deus, sendo produzidos por Deus e dependendo de seus filhos, enquanto recebe a compulsão do bem pelo canal do sol. Pois é o Bem que é o princípio eficiente: esta qualidade não pode aparecer em nenhum outro que não ele mesmo, que jamais recebe coisas, mas que quer a existência das coisas. Eu não direi, ó Tat, "quem faz os seres"; pois aquele que faz pode ser deficiente durante longos intervalos enquanto faz e não faz; pode ser deficiente relativamente à qualidade e à quantidade, pois faz tais qualidades e tais quantidades e ao mesmo tempo seus contrários. Mas Deus é o Pai e o Bem naquilo em que as coisas existem. 4 - Assim é quanto cabe aquele que pode "ver". Pois disso também, Deus, quer a existência, e disso mesmo sobretudo é que é a causa. Verdadeiramente, todo o resto existe só para isso: pois a marca própria do Bem, é que o Bem seja conhecido, ó Tat. - Tornaste-nos repletos, ó pai, da boa e completamente bela visão, e pouco é preciso para que o olho de meu intelecto renda homenagem sob a influência de uma tal vista. - Sem dúvida, pois não é da visão do Bem como do raio solar, que pela sua natureza ígnea deslumbra os olhos pela sua luz, e os força a se fechar; contrariamente esta visão ilumina, e isso tanto mais quanto mais se é capaz de receber o influxo do esplendor inteligível. Mais agudo que o raio solar para nos penetrar, é por outro lado, inofensiva e repleta de toda imortalidade, tão bem que aqueles que aí podem se abeberar desta visão freqüentemente caindo no sono e se destacando do corpo, chegam à visão mais bela tal como ocorreu a Uranus e Cronos, nossos ancestrais. Possa-nos também assim suceder, ó meu pai! - Apraz a Deus, meu filho. Mas agora, ainda somos muito fracos para chegar a essa visão; ainda não temos força suficiente para abrir os olhos de nosso intelecto e contemplar a beleza daquele Bem, sua beleza imperecível, incompreensível. Quanto nada mais puderes dizer, é somente então que vê-la-ás. Pois o conhecimento que se toma é silêncio divino, inibição de nossos sentidos. E aquele que a percebeu uma vez não pode perceber nenhuma outra, o que a contemplou uma vez nenhuma outra pode contemplar e não pode ouvir falar de nada além e, em suma, não pode mesmo mover o corpo: pois, perdendo a consciência de toda sensação, de todo movimento corporal, permanece em repouso; e esta beleza tendo banhado com sua luz todo intelecto, é a alma toda que também ilumina e que atrai através do corpo, assim transformando o ser humano inteiro na Essência. Pois é impossível, meu filho, que a alma que contemplou e beleza do Bem seja divinizada enquanto permanecer num corpo humano.
Que queres dizer por "ser divinizada", ó pai? - Toda alma separada, meu filho, sofre metamorfoses. - Mas então, que queres dizer por "separada"? - "Não escutaste nas Lições Gerais que é de uma só Alma, a Alma do Todo, que surgiram todas essas almas que turbilhonam no mundo como distribuídas em suas partes? Dessas almas então, numerosas são as metamorfoses de uma para uma sorte mais feliz, de outras para uma sorte contrária: pois as almas inferiores passam para animais aquáticos, as almas aquáticas em animais terrestres, as almas terrestres em voláteis, as almas aéreas em humanos, enfim as almas humanas fazem sua entrada na imortalidade transformando-se em ‘daimons’, e depois neste estado passando no coração dos deuses (há dois corações de deuses - o dos astros errantes e dos fixos). E tal é a glória mais perfeita da alma. Todavia, a alma que entra num corpo humano e permanece no vício, não experimenta a imortalidade, não toma parte no Bem, mas é levada para trás e percorre inversamente a rota seguida, a que conduz até aos répteis: tal é a sentença de condenação da  alma viciosa.”
Ora, o vício da alma é a ignorância. Realmente quando uma alma não adquiriu nenhum conhecimento dos seres, nem de sua natureza, nem do Bem, quando é cega, sofre os embates violentos das paixões corporais. Então a infeliz, para ignorar-se a si mesma, torna-se escrava de corpo monstruoso e perverso, carrega seu corpo como um fardo, não comanda, sendo comandada. Tal é o vício da alma.
9 Ao contrário, a virtude da alma é o conhecimento: pois aquele que conhece é bom e piedoso, já divino. - Que espécie de humano é esse, ó pai? - É o humano que fala pouco e pouco escuta. Pois aquele que perde seu tempo a disputar e a ouvir as novas  golpeia o ar, filho. De  fato, Deus, o Pai e o Bem, não se deve ensinar pela palavra nem aprender pela audição. Nestas condições, se todos os seres possuem os órgãos dos sentidos por não poderem viver sem eles, o conhecimento difere muitíssimo da sensação. A sensação só se produz na dependência do objeto que nos impressiona, ao passo que o conhecimento é a perfeição da ciência, que por si só é um dom de Deus. Pois toda ciência é incorpórea, e então o instrumento do qual ela se serve é o próprio intelecto que, a seu turno se serve do corpo. Ambos os objetos inteligíveis e os materiais entram no corpo. Pois tudo deve resultar da oposição e da contrariedade; é impossível ser de outra forma, quer exerçam sua atividade por meio dos corpos quer se movam por meio de uma substância psíquica, que sejam vivificados por meio de um sopro ou ainda mesmo que nelas recebam tudo o que é morto: e isso é razoável. Ou mais ainda, declaro que ele não os contém, mas para dizer a verdade, diria que ele é todos os seres, não os adiciona a si mesmo a partir do exterior, é ele que os dá de si mesmo e os produz para o exterior. Esta pois é a sensação e a intelecção de Deus: sempre mover todos os seres e jamais haverá um tempo no qual; seja lá o que for daquilo que existe será abandonado; na verdade, quando digo "daquilo que existe", quero dizer "de Deus"; pois Deus contém nele mesmo tudo o existe, e nada está fora dele e ele de nada está fora.

10 Tais coisas, Asclépios, se possuísses a inteligência, te pareceriam verazes, mas se não tens o conhecimento, ser-te-ão incríveis. Pois ter tido fé, é ter feito um ato de inteligência e ter faltado à fé, é ter faltado à inteligência. Pois o logos não consegue progredir até a verdade. Mas o intelecto, sendo poderoso, e após ter sido guiado até o ponto da rota pelo logos, pode progredir até a verdade. Então, tendo abarcado com uma mesma visão todos os seres, descobrindo que  tudo está de acordo com o que foi explicado pelo discurso, acredita e encontra seu repouso nesta nobre crença. Para aqueles então que compreenderam, graças ao Dom de Deus, essas palavras, são então críveis, mas para aqueles que não as compreenderam, permanecem incríveis. Eis quanto basta no que tange a intelecção e a sensação.

Continua...

sábado, 7 de setembro de 2019

Reflexão Casual LXXX‏‏V‏


“ Tem muitos mestres da verdade na sociedade de hoje, que consideram seus 'achismos' como verdade absoluta, dogmatizando seus rasos pontos de vistas ao julgar e condenar precipitadamente o que deveriam antes analisar criticamente e criteriosamente.”

Paulinopax