domingo, 31 de maio de 2020

Upanishad Ishavasya – O Véu Dourado 2


Os Upanishads
Upanishad Ishavasya – O Véu Dourado 2

 

Aquilo que nasce no tempo também morre no tempo, apenas o atemporal perdura, já que não é afetado pelo processo do tempo. A Realidade é atemporal, só assim ela pode estar presente em cada movimento do tempo. Apenas o atemporal pode ser onipresente.

O tempo implica em sucessão na qual as coisas existem, não todas ao mesmo tempo, mas uma após a outra. Onipresença e sucessão são contraditórias.

No Imanifesto, todas as coisas existem juntas, a Onipresença só é possível quando as coisas existem simultaneamente, e não uma após a outra. O tempo é um meio refratário que dispersa a luz branca da Realidade no espectro de cores variadas.

Quando tentamos entender a existência simultânea do atemporal através do processo de sucessão do tempo, o resultado é um paradoxo. Um paradoxo é a colocação de dois opostos em justaposição, não há solução para um paradoxo.

Um paradoxo pode ser dissolvido, e isso ocorre apenas quando os dois opostos são vistos coexistindo simultaneamente e no mesmo local, não um após o outro. A mente humana é incapaz de conceber isso.

A mente acha que duas coisas opostas existindo juntas cancelariam uma a outra, o resultado seria o Nada. Os Upanishads falam a linguagem dos paradoxos.

Como a mente não consegue solucionar os paradoxos, fica frustrada, porque percebe que ao aproximar os opostos, eles cancelam um ao outro.

Assim, o caminho negativo dos Upanishads é o mais positivo, pois o positivo pode surgir apenas em um campo completamente negativo. O vazio em si é de fato o pleno.

Os Upanishads dizem que Brahman é móvel e imóvel, permanece imóvel mesmo no movimento, o que é mais um paradoxo. Brahman é verdadeiramente o “centro imutável de mobilidade interminável”.

Ver o Repouso infinito e o movimento infinito simultaneamente é de fato compreender a natureza da Realidade. O Repouso e o movimento não se dão um após o outro, mas ao mesmo tempo. O Repouso é uma condição de plenitude, uma coisa está em plenitude em um estado de Repouso.


Continua...



domingo, 17 de maio de 2020

Jesus Cristo segundo São João Capítulo 12

JOÃO 12



Maria de Betânia unge o Senhor (Mt 26,6-13; Mc 14,3-9; Lc 7,36-50) - 1Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 2Ofereceram-lhe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam com Ele à mesa. 3Então, Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume.

4Nessa altura disse um dos discípulos, Judas Iscariotes, aquele que havia de o entregar: 5«Porque é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?» 6Ele, porém, disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava. 7Então, Jesus disse: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura! 8De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre.»

9Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos.

10Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, 11porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus.


Entrada messiânica em Jerusalém (Mt 21,1-11; Mc 11,1-11; Lc 19,29-40) - 12No dia seguinte, as multidões que tinham chegado para a Festa, ao ouvirem que Jesus vinha a Jerusalém, 13pegaram em ramos de palmeiras e saíram-lhe ao encontro, clamando: «Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!» 14E Jesus encontrou um jumentinho e montou nele, conforme está escrito:

15Não temas, Filha de Sião,
olha o teu Rei que chega
sentado na cria de uma jumenta.
16Ao princípio, os seus discípulos não compreenderam isto; quando se manifestou a glória de Jesus, é que se lembraram que estas coisas estavam escritas acerca dele; e foi isso precisamente o que lhe fizeram.

17Entretanto, as pessoas que tinham estado com Ele quando chamou Lázaro do túmulo e o ressuscitou dos mortos testemunhavam o que viram. 18E a gente, ao ouvir dizer que tinha realizado aquele sinal milagroso, veio ao seu encontro.

19Então, os fariseus disseram uns para os outros: «Não vedes que não estais a conseguir nada? Olhai como toda a gente se foi com Ele!»


Jesus anuncia a sua «hora» e a glória da cruz - 20Entre os que tinham subido a Jerusalém à Festa para a adoração, havia alguns gregos. 21Estes foram ter com Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e pediam-lhe: «Senhor, nós queremos ver Jesus!» 22Filipe foi dizer isto a André; André e Filipe foram dizê-lo a Jesus.

23Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. 24Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. 26Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo.

27Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de Eu dizer? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente para esta hora é que Eu vim! 28Pai, manifesta a tua glória!» Veio, então, uma voz do Céu: «Já a manifestei e voltarei a manifestá-la!»

29Entre as pessoas presentes, que escutaram, uns diziam que tinha sido um trovão; outros diziam: «Foi um Anjo que lhe falou!»

30Jesus respondeu: «Esta voz não veio por causa de mim, mas por amor de vós. 31Agora é o julgamento deste mundo; agora é que o dominador deste mundo vai ser lançado fora. 32E Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim.»

33Dizia isto dando a entender de que espécie de morte havia de morrer. 34Aquela gente replicou-lhe: «Nós aprendemos na nossa Lei que o Messias permanece vivo para sempre. Como afirmas Tu que o Filho do Homem tem de ser erguido? Mas quem é, afinal, esse tal Filho do Homem?»

35Jesus respondeu-lhes: «Por um pouco de tempo ainda, a Luz está no meio de vós. Caminhai enquanto tendes a Luz, de modo que as trevas não vos apanhem, pois quem caminha nas trevas não sabe para onde vai. 36Enquanto tendes a Luz, crede na Luz, para vos tornardes filhos da Luz.»

Jesus disse estas coisas, foi-se embora e ocultou-se deles.


Epílogo: drama da incredulidade e valor da fé - 37Embora Jesus tivesse realizado diante deles tantos sinais portentosos, não criam nele, 38de modo a cumprirem-se as palavras do profeta Isaías, que dissera:

Senhor, quem acreditou
no que ouviu de nós?
E a quem foi revelado
o poder do Senhor?
39Realmente não eram capazes de crer; por isso Isaías também dissera:

40Cegou-lhes os olhos
e endureceu-lhes o coração,
para não verem com os olhos
e não entenderem com o coração
e não se converterem
e Eu ter de os curar.
41Isto disse Isaías falando dele, porque tinha visto a sua glória. 42Apesar disso, até entre os chefes, muitos creram nele, mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da Sinagoga, 43pois amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.

44Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou; 45e quem me vê a mim vê aquele que me enviou. 46Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas.

47Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar. 48Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras tem quem o julgue: a palavra que Eu anunciei, essa é que o há-de julgar no último dia; 49porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me encarregou do que devo dizer e anunciar. 50E Eu bem sei que este seu mandato traz consigo a vida eterna; por isso, as coisas que Eu anuncio, anuncio-as tal como o Pai as disse a mim.»



Continua...

domingo, 10 de maio de 2020

Corpus Hermeticum - Discurso da Iniciação

CORPUS HERMETICUM
De Hermes Trismegisto


DISCURSO DA INICIAÇÃO OU ASCLEPIOS LIVRO SAGRADO DEDICADO A ASCLÉPIOS

1 "É Deus, sim, Deus, ó Asclépios, que te guiou até nós para que tomasses parte num colóquio divino, tanto que, e bem dizer, de todos que tivemos até agora, ou dos que nos inspiraram a potência do alto, parecerá pela sua escrupulosa piedade, o mais divino. Se te mostras capaz de compreendê-lo, teu espírito será cumulado de todos os bens, se é que existem muitos bens e não apenas um que os contenha a todos. Pois discerne-se entre um e outro termo uma relação recíproca - tudo depende de um único e esse Um é o Todo: estão tão estreitamente ligados que não se saberia separar um do outro. Mas isto, meu próprio discurso vai te ensinar se o escutas com diligente atenção. Todavia, ó Asclépios, o percurso não é longo, vá chamar Tat, para que seja um dos nossos.
Assim que entrou, Asclépios propôs a admissão de Hammon. - Não somos tão ciosos, disse Trismegistos, a ponto de afastar Hammon de nosso grupo; pois eu me recordo, muitos de meus escritos lhe foram dedicados, bem como a Tat, meu filho amantíssimo e caríssimo, muitos de meus tratados de física e uma pluralidade de obras exotéricas.
É teu nome, portanto, que eu quero colocar na abertura desse tratado. Não chama mais ninguém além de Hammon: um discurso tão religioso acerca de um tão grande objeto não deve ser profanado pela presença de um numeroso auditório. É uma impiedade divulgar à massa um ensino repleto da completa majestade divina.
Quando Hammon entrou no santuário e o fervor dos quatro homens e a presença de Deus preencheram esse santo lugar, assim que, no silêncio conveniente, todos os espíritos e todos os corações estavam presos com veneração aos lábios de Hermes, o divino Cupido começou nestes termos:
2 "Ó Asclépios; toda alma humana é imortal, mas não são todas do mesmo modo: diferem segundo o modo e o tempo.
- Não é, então, verdadeiro, ó Trismegistos, que todas as almas sejam da mesma qualidade?
- Deixaste rapidamente de seguir, ó Asclépios, a verdadeira seqüência do raciocínio! Não disse eu que tudo é um e que o Um é o Todo, porque as coisas existiram no Criador antes que as criasse? E não foi sem razão que o chamaram Todo, e ele de quem as coisas são membros. Tenha cuidado de lembrar-te, ao longo de todo esse discurso, daquele que sozinho é tudo ou que é o criador de tudo.
Tudo desce do céu sobre a terra, na água e no ar. Do fogo, somente o que tende de baixo para o alto é vivificante; o que tende para baixo é subordinado ao que sobe. Mas tudo o que desce do alto é gerador; tudo o que se exala para o alto é nutridor. A terra que é a única que permanece em repouso em seu lugar, é o receptáculo das coisas, recebe em si todos os gêneros e, de novo, faz com que apareçam. Aí está o todo que, como te recordas, contém tudo e é tudo. A alma e a matéria, são abraçadas pela natureza e são postas em movimento por ela, com uma tal diversidade no aspecto multiforme de tudo o que toma forma que aí se reconhece um número infinito de espécies que, embora distintas pela diferença de suas qualidades, são todavia unidas de uma tal maneira que o Todo parece um e que do Um tudo parece ter saído.
3 Ora, os elementos graças aos quais a matéria inteira tomou forma, são em número de quatro: fogo, água, terra, ar; um mundo, uma alma, um deus.
Agora, atem-te inteiramente ao que vou dizer, com toda a força da tua inteligência, toda a fineza de teu espírito. Pois a doutrina da divindade, que exige para ser conhecida uma aplicação do intelecto que só pode provir de Deus, parece bastante com um rio torrencial que se precipita do alto com uma violenta impetuosidade, que exige a atenção, não somente daquele que escuta, mas também daquele que fala.
O céu, deus perceptível aos sentidos, governa os corpos, cujo crescimento e declínio estão a cargo do sol e da lua. O céu por sua vez, a alma, e todos os seres do mundo, são regidos por aquele que os criou, Deus. Ora, desses corpos celestes, todos igualmente regidos por Deus, expandem-se contínuos eflúvios através do mundo e através da alma de todos os gêneros e dos indivíduos, de um lado e outro da natureza. Todavia a matéria foi preparada por Deus para ser o receptáculo das formas sensíveis de toda aparência e a natureza imprimindo as formas sensíveis na matéria por meio dos quatro elementos, prolonga até ao céu e série de seres para que agradem aos olhares divinos.
4 Ora, todos os seres dependentes dos corpos do alto, distribuem-se em formas sensíveis da forma que vou dizer. Os indivíduos de cada gênero seguem a forma de seu gênero, de forma que o gênero seja o todo, um indivíduo uma parte do gênero.
Desta forma, o gênero dos deuses produzirá os indivíduos deuses.
O gênero dos daimons e similarmente os dos humanos, bem como o dos pássaros e de todos os seres contidos pelo mundo, engendram indivíduos que lhe são semelhantes. Existe um outro gênero de viventes, sem alma, para dizer a verdade, mas não sem faculdades sensitivas, de modo que os bons tratos os fazem crescer e os maus decrescer e perecer; entendo por isso todos os seres que tomam vida na terra pelo bom estado das raízes e do caule, desse gênero de seres, os indivíduos estão dispersos por toda a terra. Quanto ao céu, está pleno de Deus. Os gêneros de seres que acabo de mencionar ocupam todo o espaço até os lugares próprios dos gêneros dos quais os indivíduos, todos sem exceção, são imortais. Pois o indivíduo é uma parte do gênero - o ser humano é parte da humanidade - e necessariamente segue a qualidade de seu gênero. E, se bem que todos os gêneros sejam imortais, os indivíduos não são todos imortais.
No caso da divindade, o gênero e os indivíduos são imortais; nas outras raças de viventes, o gênero é imortal e os indivíduos mortais, mas nem por isso cessa a eternidade do gênero que desenvolve sua duração pela fecundidade reprodutora. Destarte, os indivíduos são mortais, os gêneros não o são: o ser humano é mortal, a humanidade imortal.
5 Todavia os indivíduos de cada gênero comunicam-se com todos os outros gêneros - tenham sido, estes indivíduos, produzidos anteriormente, tenham nascido daqueles que foram produzidos. Portanto, todos os seres que são produzidos ou pelos deuses, ou pelos daimons, ou pelos homens, são indivíduos inteiramente semelhantes e seus gêneros respectivos: pois os corpos não podem receber suas formas sem a vontade divina, os indivíduos sua figura sem o concurso dos daimons e os seres inanimados não podem ser plantados e criados sem a mão do homem. Aqueles que entre os daimons saem de seu gênero para atingir um outro gênero são levados a entrar em contato com um indivíduo do gênero divino, são tidos, graças a essa vizinhança e a esse intercâmbio, por semelhantes aos deuses.
Por outro lado, aqueles daimons que perseveram na qualidade de seu gênero são chamados daimons amigos dos humanos. O mesmo sucede relativamente aos humanos: esses cobrem na verdade um campo maior. Pois os indivíduos humanos são diversos e de mais de um caráter: provenientes do alto, do lugar onde tiveram comércio com o gênero de que se falou, contraíram muitas ligações com todos os outros gêneros e com o maior número deles por necessidade. Este ser humano se aproxima dos deuses que graças ao espírito que o aparenta aos deuses, uniu-se a eles por uma religião inspirada do céu; este outro se aproxima dos daimons por ter se unido a eles; aqueles permanecem simplesmente humanos, contentes que estão com a posição intermediária de seu gênero; e todos os seres do gênero humano assemelhar-se-ão ao gênero do qual tenham freqüentado os indivíduos. 6 Assim é uma grande maravilha o ser humano, um vivente digno de adoração e honra. Pois passa a possuir a natureza de um deus como se fosse um deus, possui familiaridade com o gênero dos daimons sabendo que possuem a mesma origem; despreza esta parte de sua natureza que é apenas humana pois depositou sua esperança na divindade da outra parte. Oh! de que mistura privilegiada é feita a natureza humana! Unido aos deuses - pelo que possui de divino e que o aparenta a eles; a parte de seu ser que o faz terrestre despreza-a em si mesmo; todos os outros viventes aos quais se sabe ligado em virtude do plano celeste, prende-se-lhes por um laço de amor e eleva seus olhares para o céu. Tal é então a sua posição privilegiada de intermediário que ama os seres que lhe são inferiores, como é amado por aqueles que o dominam. Cuida da terra, mistura-se aos elementos pela velocidade de seus pensamentos, pela ponte do espírito atira-se no abismo do mar. Tudo lhe é acessível; o céu não lhe parece muito alto, pois mede-o como próximo graças à sua engenhosidade. O olhar que seu espírito dirige, nenhuma miragem ofusca; a terra nunca é tão compacta que consiga impedir seu trabalho; a imensidão das profundidades marinhas não obscurecem a sua visão que mergulha. É ao mesmo tempo as coisas e está em toda parte.
Entre todos esses gêneros de seres, aqueles que são providos de uma alma tem raízes que os atingem do alto para baixo; por outro lado os seres desprovidos de alma possuem raízes que vêm de baixo para o alto. Certos seres se alimentam de alimentos de duas espécies, outros, de alimentos de uma só espécie. Existem dois tipos de alimentos, os da alma e os do corpo, as duas partes componentes do vivente. A alma é alimentada pelo movimento sempre mantido do céu. Os corpos devem seu crescimento à água e à terra, alimentos do mundo inferior, o sopro que preenche o universo, espalha-se em todos os seres animados e lhes dá vida, enquanto que o ser humano, além do entendimento, recebe o intelecto, quinta parte, única proveniente do éter, dada ao ser humano como um dom. Mas de todos os seres que possuem vida, somente o ser humano possui intelecto, e este o eleva, exalta, de forma que possa atingir o conhecimento do plano divino. Por outra parte, como fui levado a falar do intelecto, voltarei a falar acerca de sua doutrina: pois é uma doutrina muito alta e santa, não menos alta que aquela que trata da própria divindade. Mas terminemos nosso assunto.
7 Falei desde o início desta união com os deuses, da qual são seres humanos os únicos a fruir pelo favor dos mesmos, referi-me a esses dentre os humanos que obtiveram a felicidade suprema de adquirir esta faculdade divina da intelecção, este intelecto mais divino que existe somente em Deus e no entendimento humano. - Então, ó Trismegistos, o intelecto não é de mesma qualidade em todos os homens?
- Não, ó Asclépios, nem todos atingiram o verdadeiro conhecimento, mas, em seu cego impulso, sem nada ter visto da verdadeira natureza das coisas, deixam-se arrastar por uma ilusão que cria a malícia nas almas e faz cair o melhor dos viventes até à natureza da besta e à condição dos brutos. Mas o que se refere ao intelecto e sujeitos conexos, será tratado completamente quando vos falarei do sopro.
Unico entre os viventes, o ser humano é duplo, e uma das partes que o compõem é simples, aquela que os Gregos chamam de essencial, e nós, formada à semelhança de Deus'. A outra parte é quádrupla, aquela que os Gregos chamam `material' e nós, `terrestre'. É dela que foi feito nosso corpo, que serve de envoltório e esta parte do ser humano que nós acabamos de dizer que é divina, porque neste abrigo, a divindade do espírito puro, repousa apenas com eles, como que dividida, atrás do muro do corpo.
- Por que foi necessário, ó Trismegistos, que o ser humano fosse estabelecido na matéria em lugar de viver na felicidade suprema na região onde Deus habita?
- Eis uma boa questão, Asclépios, e peço a Deus que me dê os meios de respondê-la. Pois se tudo depende de sua vontade, essas discussões sobre o Todo supremo, esse Todo que faz o objeto de nossa pesquisa atual, sobretudo.
8 Escuta então, ó Asclépios. Quando o Senhor e o Criador das coisas, que chamamos com justiça Deus, faz, segundo após ele, o deus visível e sensível, esse segundo deus, se o digo sensível, não é que queira dizer que seja ele mesmo dotado de sensação (se ele o é ou não, o discutiremos em um outro momento), mas porque cai sob o sentido visual - quando Deus então produziu este ser, o primeiro que tirou de si mesmo, mas o segundo depois dele, e que este lhe pareceu belo, pois estava cumulado da bondade de todos seres, amou-o como fruto de sua divindade. Então em Deus todo-poderoso e bom, quis que existisse um outro ser que pudesse contemplar aquilo que havia tirado de si mesmo e prontamente criou o ser humano, cuja razão e cuidado com as coisas devem ser à imitação dos de Deus. Pois a vontade, em Deus, é o cumprimento mesmo do ato, pois querer e fazer são coisas realizadas por ele no mesmo instante. Ora, após haver criado o ser humano essencial, como visse que esse ser humano não poderia cuidar das coisas se não o cobrisse com um envoltório material, deu-lhe um corpo por domicílio e prescreveu que todos os seres humanos fossem tais, compondo de uma e outra natureza, uma fusão e uma mistura únicas na proporção conveniente. Foi desta forma - que conformou o ser humano, da natureza do espírito e do corpo, isto é do eterno e do mortal, para que o vivente formado dessa forma pudesse satisfazer à sua dupla origem, admirar e adorar as coisas celestes, tomar conta das coisas terrestres e governá-las.
Agora, por coisas mortais não entendo a terra e a água, esses dois elementos que, entre os quatro, a natureza colocou à disposição do ser humano, mas tudo o que o ser humano produz, seja nesses elementos, seja tirando desses elementos, por exemplo a cultura do solo, as pastagens, as construções, os portos, a navegação, as relações sociais, as trocas mútuas, as obras que constituem o liame mais sólido de ser humano a ser humano e entre o ser humano e esta parte do mundo que é feita de terra a água. Esta parte terrestre do mundo é mantida pelo conhecimento a prática das artes e das ciências, sem as quais Deus não quis que o mundo pudesse passar a ser perfeito. Pois o que Deus decretou deve ser necessário e cumprido, quer uma coisa e ela está feita e não se pode acredïtar que Deus volte atrás alguma vez acerca do que decretou um dia, pois sabia muito antes que esta coisa se produziria e que o agradaria.
9 Mas percebo bem, ó Asclépios, com qual impaciente desejo de alma queres compreender como o ser humano pode fazer, do céu e dos seres que aí se encontram, o objeto de seu amor e de seus cuidados. Escuta, ó Asclépios.
Amar o deus do céu e todos os seres celestes é unicamente prestar-lhes uma contínua reverência. Ora, de todos os viventes, divinos e mortais, nenhum outro a prestou, senão o homem. Esses testemunhos humanos de admiração, de adoração, de louvor, de reverência, fazem a delícia do céu e dos seres celestes. E é justo que a divindade suprema tenha enviado cá para baixo o coro das Musas entre os homens para que o mundo terrestre não pareça muito selvagem, privado da doçura da música, mas que contrariamente, pelos seus cantos inspirados pelas Musas, os homens possam oferecer seus louvores àquele que sozinho é o Todo e o pai de todos, e que desta forma, aos louvores celestes responda sempre, na terra também, uma suave harmonia. Alguns humanos, em muito pequeno número, dotados de uma alma pura, receberam como parte a augusta função de elevar seus olhos para o céu. Mas todos aqueles que, em virtude da mistura de sua dupla natureza, deixaram-se restar, pelo peso do corpo, a um nível inferior de conhecimento, destinam-se ao cuidado dos elementos ou, ainda, dos inferiores. O ser humano é portanto um vivente, e não digo que é inferior, pelo fato que seja em parte mortal: ao contrário, pode ser que tenha sido enriquecido pela mortalidade por ter, assim composto, mais habilidade e eficácia em vista de um propósito determinado. Pois não teria podido cumprir sua dupla função se não fosse composto das duas substâncias, é preciso ser de uma e de outra, para ser capaz ao mesmo tempo de cuidar das coisas terrestres e amar a divindade.
10 Quanto ao assunto que vou tratar agora, ó Asclépios, desejo que mantenhas com uma atenção penetrante todo o ardor de teu espírito. Com efeito, se a maior parte não acredita nessa doutrina, não deve ser, entretanto, recebida como menos sã e verdadeira pelas almas mais santas. Começo então.
Deus, mestre da eternidade, é o primeiro; o mundo o segundo; o ser humano é o terceiro. Deus é o criador do mundo e de todos os seres que aí se encontram, governando ao mesmo tempo as coisas, em conjunção com o ser humano que governa também o mundo formado por Deus. Se o ser humano assume esse ofício em tudo que comporta, entendo que esse governo é sua função própria, faz de forma que seja para o mundo, aquilo que o mundo é para si: um ornamento, se bem que, por essa divina estrutura do homem, concorda-se em chamá-lo um mundo, o grego o diz mais justamente uma ordem (kosmos). O ser humano se conhece, conhece também o mundo, este conhecimento faz com que ele lembre o que convém a seu papel e reconheça quais coisas servem para seu uso, e serviço de que e de quem deve se colocar, oferecendo a Deus seus louvores e suas ações de graça as mais vivas, reverenciando a imagem de Deus sem esquecer que é também a segunda imagem: pois Deus possui duas imagens, o mundo e o ser humano. De onde resulta que o ser humano constitui apenas uma única liga, por aquela parte pela qual, sendo feito, com elementos superiores, da alma e do intelecto, do espírito e da razão, é divino, parece possuir os meios de subir até aos céus, enquanto que pela parte material, composta de fogo e de terra, de água e de ar, é mortal e permanece preso à terra, com medo que possa deixá-la vazia e abandonar as coisas confiadas à sua guarda. É desta forma que a natureza humana, em parte divina, foi criada também em parte mortal pois foi estabelecida em um corpo.

Continua...

domingo, 3 de maio de 2020

Reflexão Casual XCIII



"Um povo alienado, é fundamentalista e compulsivamente consumista, nem se quer sabe que nasceu e muito menos sabe que morreu, se arrastando sem direção feito verme parasita até o último suspiro de sua medíocre vida inútil."

Paulinopax