quinta-feira, 25 de junho de 2020

Upanishad Ishavasya – O Véu Dourado 3


Os Upanishads
Upanishad Ishavasya – O Véu Dourado 3


No movimento, esta plenitude é fragmentada em partes, e está parcialmente presente, mas mesmo assim, se o movimento estiver vivo e não morto, deve estar impregnado com a qualidade do Todo.

Repouso e movimento são o “ser”e o “vir a ser” da filosofia hindu. Se o “vir a ser”é separado do “ser”, tal “vir a ser”é um mal monstruoso que se move para um desnorteamento sem fim.

O movimento deve ser vivo devido à presença do Todo, então certamente o movimento e o Repouso devem existir simultaneamente no Todo. Repouso perfeito no movimento dinâmico, esse é o verdadeiro fenômeno de Isha ou Brahman, envolvendo a todas as coisas moventes que existem no mundo movente.

Aquele que compreende o Repouso infinito no movimento infinito conhece a verdadeira natureza de Brahman, vê o Todo na parte.

Para entender tudo isso, vamos a última parte do verso de abertura: “Renunciando a isso, tu podes desfrutar, sem cobiçar a riqueza do outro”.

Mas o que temos que renunciar, se tudo é permeado por Brahman? A riqueza do outro significa a riqueza que não é dada a você, não cobice algo que não lhe é dado, desfrute daquilo que é dado a você.

A parte que é reservada a uma pessoa só pode ser desfrutada por ela mesma, desejar a parte do outro é demonstrar ignorância do fato de que até mesmo a menor parte está impregnada do Todo.

A parte que nos é reservada é tão rica quanto a parte que está reservada a outro, ansiar por aquilo que não nos é dado é o caminho da frustração e da tristeza.

Está no Bhagavad Gita: “Os virtuosos que comem os restos do sacrifício estão livres de todos os pecados, mas os ímpios que preparam o alimento para seu próprio benefício, verdadeiramente comem o pecado”.

Porque cobiçamos a riqueza do outro? É porque não descobrimos nossos próprios tesouros. Aceitar aquilo que nos é dado não é passividade, é a base da verdadeira felicidade e o ponto de partida para a correta ação.


Continua...


domingo, 21 de junho de 2020

Jesus Cristo segundo São João Capítulo 13

II. REVELAÇÃO DE JESUS AOS SEUS ATRAVÉS DO GRANDE SINAL(13,1-21,25)
6. Última Ceia e Discurso de Despedida (13,1-17,26)


Jesus lava os pés aos discípulos (Mt 20,20-28; Mc 10,35-45; Lc 22,24-27) - 1Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo. 2O diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entregar.

3Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, 4levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. 5Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura.

6Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» 7Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» 8Disse-lhe Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar, nada terás a haver comigo.» 9Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!» 10Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.»

11Ele bem sabia quem o ia entregar; por isso é que lhe disse: ‘Nem todos estais limpos’. 12Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: 13«Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. 14Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. 15Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. 16Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. 17Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática. 18Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura:

Aquele que come do meu pão
levantou contra mim o calcanhar.
19Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou. 20Em verdade, em verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que recebe, e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou.»


Anúncio da traição de Judas (Mt 26,20-25; Mc 14,17-21; Lc 22,21-23) - 21Tendo dito isto, Jesus perturbou-se interiormente e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há-de entregar!» 22Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem a quem se referia. 23Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no seu peito.

24Simão Pedro fez-lhe sinal para que lhe perguntasse a quem se referia. 25Então ele, apoiando-se naturalmente sobre o peito de Jesus, perguntou: «Senhor, quem é?» 26Jesus respondeu: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão ensopado.» E molhando o bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» 28Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. 29Alguns pensavam que, como Judas tinha a bolsa, Jesus lhe tinha dito: ‘Compra o que precisamos para a Festa’, ou que desse alguma coisa aos pobres.

30Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite.

31Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus. 32E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve.»


O mandamento novo (Mt 22,34-40; Mc 12,28-31; Lc 10,25-28) - 33«Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: ‘Para onde Eu for vós não podereis ir’, também agora o digo a vós.

34Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. 35Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.»


Anúncio da negação de Pedro (Mt 26,30-35; Mc 14,26-31; Lc 22,31-34) - 36Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde vais?» Jesus respondeu-lhe: «Para onde Eu vou, tu não me podes seguir por agora; hás-de seguir-me mais tarde.» 37Disse-lhe Pedro: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por ti!» 38Replicou Jesus: «Darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!»



Continua...

domingo, 14 de junho de 2020

Corpus Hermeticum - Discurso da Iniciação II

CORPUS HERMETICUM
De Hermes Trismegisto


DISCURSO DA INICIAÇÃO OU ASCLEPIOS LIVRO SAGRADO DEDICADO A ASCLÉPIOS / CONTINUAÇÃO...


11 A regra desse ser duplo, quero dizer, o ser humano, é antes de tudo a piedade, que tem por conseqüência a bondade. Mas esta bondade não se mostra em sua perfeição, se não foi fortificada contra o desejo de tudo o que é estranho ao ser humano, pela virtude do desprezo. É necessário tomar por estrangeiras, e tudo no ser humano é parente do divino, as coisas terrestres que se possuem para satisfazer aos desejos do corpo, são chamadas, muito bem, possessões, pois não nasceram conosco, mas foram adquiridas por nós após o nascimento: e é daí que lhes advém o nome de possessões. As coisas deste tipo são estranhas ao ser humano, mesmo o corpo: por conseqüência, devemos desprezar não somente os objetos de nossos apetites, mas a fonte de  onde decorre em nós esse vício do apetite. Pois, segundo a direção mesmo que me faz seguir o rigor do raciocínio, o ser humano não deveria ser humano senão na medida em que, pela contemplação da divindade, despreza e desdenha a parte mortal que lhe foi unida pela necessidade que tem de cuidar do mundo inferior.
Com efeito, para que o ser humano seja completo em cada uma de suas partes, observa que foi dotado em cada uma delas quatro elementos principais: as mãos e os pés que fazem respectivamente dois pares e que, com os outros membros corporais, lhe permitem estar ao serviço da parte inferior, isto é, terrestre, do mundo; e da outra parte estas quatro faculdades, o espírito, o intelecto, a memória e a previdência, graças às quais conhece as coisas divinas e as contempla. Daí advém o fato do ser humano escrutar com uma inquieta curiosidade as diferenças das coisas, suas qualidades, suas operações e suas grandezas, e que todavia, entravado pelo peso e maligna influência de um corpo muito forte para ele, não possa penetrar as verdadeiras causas da natureza.
Assim, este ser humano feito desta forma, que recebeu do Deus supremo o encargo desse serviço a esse culto, se vela pela ordem do mundo através de um trabalho bem ordenado, se honra a Deus piedosamente, se obedece de maneira digna e conveniente à vontade de Deus nas tarefas que lhe foram confiadas, um humano assim, que recompensa deverá receber? - Pois, por ser o mundo obra de Deus, o que com diligência conserva e aumenta a beleza do mundo coopera com a vontade de Deus, posto que emprega seu corpo e consagra todo dia, seu trabalho e seus desvelos a adornar a beleza que Deus criou com uma intenção divina. - Oue recompensa deverá receber, à não ser aquela que receberam nossos pais maiores e que, em nossas mais ferventes súplicas, desejamos receber um dia de maneira análoga, se assim o quiser a vontade divina, isto é, uma vez concluído nosso serviço, exonerados da vigilância do mundo material e livres dos laços da natureza mortal, Deus nos reconduza, puros e santos, à condição normal da parte superior de nós mesmos que é divina?
12 - O que dizes é justo e verdadeiro, ó Trismegistos!
- Tal é com efeito a recompensa que aguarda aos que levam uma vida de piedade para com Deus e de atento cuidado com o mundo. Em contrapartida, os que tenham vivido no mal e na impiedade, além de sentir que o retorno ao céu lhes é negado são condenados a passar a corpos de outra espécie em virtude de uma migração vergonhosa, indigna da santidade do espírito.
- Segundo a marcha que segue teu discurso, ó Trismegistos, relativamente à esperança da imortalidade futura, as almas correm grande perigo nesta vida terrestre.
- Certamente, porém isto para uns parece algo inacreditável, para outros algo fabuloso, para outros inclusive, algo ridículo. Pois, que coisa doce é com efeito, nesta vida corporal, o gozo proveniente dos bens possuídos! Este prazer, como se pode dizer, prende a alma pelo cólon para que o ser humano se prenda a esta parte dele pela que é mortal, e além do mais o vício, invejoso da imortalidade, não suporta que alguém reconheça a sua parte divina.
Posso afirmar-te, como profecia: depois de nós, já não haverá amor sincero à filosofia, a qual consiste no único desejo de melhor conhecer a divindade por meio de uma contemplação habitual e uma santa piedade. Pois muitos já a estão corrompendo de inúmeras maneiras.

- De qualquer maneira a fazem incompreensível e de que forma a corrompem de inúmeras maneiras?
13 - Da seguinte maneira, ó Asclépios, através de um trabaIho cheio de astúcia, misturam-na com diversas ciências ininteligíveis, a aritmética, a música, e a geometria. Porém a filosofia pura, aquela que depende apenas da piedade relativa a Deus, não deve se preocupar com as outras ciências, a não ser para admirar o retorno dos astros à sua posição primitiva, suas posições pré-determinadas e o curso de suas revoluções obedecendo à lei dos números para, por meio do conhecimento das dimensões, das qualidades, das quantidades da terra, das profundezas do mar, da força do fogo, das operações e da natureza dessas coisas, sentir-se levada a admirar, adorar e bendizer a arte e a inteligência de Deus. A formação musical confere apenas o conhecimento de como se ordena este conjunto do universo a que plano divino distribuiu as coisas: pois esta ordem, em que as coisas foram reunidas em um mesmo todo por uma razão de artistas, produzirá uma espécie de concerto infinitamente suave e verdadeiro, com uma música divina. 14 Desta forma, os humanos que virão depois de nós, enganados pela astúcia dos sofistas, deixar-se-ão apartar da verdadeira, pura e santa filosofia. Adorar a divindade com um coração e uma alma simples, venerar as obras de Deus, louvar a vontade divina que, é a única a estar infinitamente plena de bem, tal é a filosofia não maculada por nenhuma maligna curiosidade do espírito.
Mas isto é o suficiente quanto a esse tratado. Comecemos a falar do sopro ou pneuma e de outros temas semelhantes. (NT. - um pequeno problema se nos apresenta: ‘pneuma’ em grego não é perfeitamente equivalente ao ‘espírito’, em latim; `pneuma' tem um sentido material, que
`espírito' não consegue transmitir. É conveniente ter isto em mente no decurso deste tratado.)
No princípio existia Deus e ‘Hyle’ - que é a forma pela qual os gregos designam a  matéria - (NT. - Observe-se que aqui vale a advertência anterior ao `pneuma', mas com os pés voltados para cima, isto é, `hyle' tem um sentido abstrato que `matéria' não consegue transmitir.) O sopro estava com a matéria, ou melhor estava na matéria, porém não da mesma maneira que estava em Deus ou que estavam em Deus os princípios de onde o mundo tirou suas origens. Pois se as coisas não possuíam ainda existência, posto que não haviam sido produzidas, nem por isso existiam menos naquilo de que deveriam nascer. - Pois ‘carente de geração' não se diz somente das coisas que ainda não foram produzidas, mas também das coisas que não possuem o poder de engendrar, de modo que delas nada pode nascer. Destarte, todos os seres que possuem em si a faculade natural de engendrar são, por este mesmo fato, capazes de engendrar: e deles pode nascer alguma coisa, mesmo no caso de terem nascido de si mesmos, pois ninguém duvida do fato de que dos seres que nascem de si mesmos, possam nascer facilmente os principios de onde as coisas tiram sua origem. Conseqüentemente, Deus, que existe sempre, Deus eterno, não pode ser engendrado nem o poderia ter sido, é, foi e sempre será. Esta é, portanto a natureza de Deus, que saiu de si mesmo completamente.
Enquanto a natureza material e o sopro, por mais evidentemente que sejam não- engendrados desde o princípio, têm em si o poder e a faculdade natural de nascer e de engendrar. Pois o princípio da geração é uma das propriedades da matéria: esta possui em si mesma o poder e a capacidade fundamental de conceber e dar à luz. É pois capaz de engendrar por si só, sem o concurso de nenhum elemento estranho.
15 Contrariamente, aqueles seres que não possuem a faculdade de conceber a não ser através da cópula com outro ser, devem ser considerados como seres limitados, de forma que o espaço, que contém o mundo e tudo que se encontra nele, é evidentemente não engendrado, possuindo como possui em si mesmo um poder de geração universal. Por 'espaço' entendo aquilo em que o conjunto das coisas está contido. Pois todo esse conjunto não teria podido existir se não houvesse espaço para conter o ser das coisas - pois nenhuma coisa pode existir sem que se lhe tenha preparado um lugar. E também não poderiam ser discernidas nem as qualidades, nem as magnitudes, nem as posições, nem as operações das coisas que estivessem em parte alguma.
Portanto, também a matéria, quando ainda não havia sido engendrada, continha, entretanto, em si mesma, o princípio de toda geração, pois oferece às coisas um seio inesgotavelmente fecundo e adequado para sua concepção. Eis então no que se resume toda a qualidade da matéria: é capaz de engendrar embora não seja engendrada. Bem, se toma parte da natureza da matéria o ser capaz de engendrar, disto resulta que esta mesma matéria é absolutamente capaz de gerar o mal.
16 Não disse então, ó Asclépios e Hammon! o que muitos repetem: "Não poderia ser afastado e abolido o mal da Natureza, por Deus?" Essas pessoas não merecem absolutamente resposta. Todavia, em vossa atenção, quero prosseguir explicando este fato. Dizem, com efeito, que Deus deveria libertar o mundo do mal; porém o mal está fixado no mundo que parece ser um membro deste. No entanto, o Deus supremo tomou de antemão suas precauções contra o mal, da maneira mais racional que foi possível, ao se dignar dar gratuitamente às almas humanas o intelecto, a ciência e o entendimento. Por meio destas faculdades, graças às quais nos elevamos acima de todos os seres viventes e somente por elas, podemos escapar às armadilhas, aos ardis e às corrupções do mal. Se um ser humano pode evitar tudo isto ao primeiro olhar, antes de ter se envolvido totalmente, deve-o a estas muralhas ou defesas que lhe foram previstas pela sabedoria e prudência divina: pois toda ciência humana tem seu fundamento na soberana vontade de Deus.
Relativamente ao sopro é ele que procura e mantém a vida em todos os seres do mundo, o qual obedece, como um órgão ou máquina ou instrumento, à vontade do Deus Supremo. Estas explicações são suficientes para nosso intento.
Inteligível somente para o pensamento, o Deus chamado Sumo rege e governa este deus perceptível pelos sentidos que compreende em si mesmo todo lugar, toda substância das coisas, toda natureza dos seres que nascem e engendram, a toda classe possível de qualidade e de grandeza ou magnitude.
17 O sopro é que move e dirige todas as formas sensíveis contidas no mundo, cada uma segundo a natureza própria que Deus lhe haja conferido. Enquanto a matéria é o receptáculo das coisas, em que todos os seres estão em movimento, formando uma massa compacta. Estes são governados por Deus, que dispensa a cada um dos seres o que lhe é necessário. E Deus preenche as coisas de sopro, inalando-o em cada um deles segundo a medida de sua capacidade natural.
Esta bola oca semelhante a uma esfera que é o mundo, devido à sua qualidade e à sua forma, não pode ser vista em sua totalidade; escolhe um ponto qualquer da esfera para olhar de cima para baixo: nunca poderás, deste ponto, ver o que há no fundo. Por essa razão muitos lhe atribuem a mesma natureza que o espaço e as mesmas propriedades. Somente devido às formas sensíveis nela impressas como cópias das formas ideais, atribui-se a ela mesma uma espécie de visibilidade, já que aparece à vista como um quadro pintado; porém, na realidade, é em si mesma sempre invisível. Daí resulta que o fundo da esfera, se é uma parte ou um lugar da esfera, se chame em grego Hades (`idein' em grego significa ver) - já que não é possível ver o fundo da esfera. E também por esta razão que as formas sensíveis são chamadas "ideai" ou idéias, porque podem ser vistas. Assim pois, o mundo dos infernos é chamado em grego `Hades' porque não é visível e em latim `Inferi' porque se encontra na parte mais baixa da esfera.
Essas são, pois, as causas originárias e, por assim dizer, capitais das coisas, pois nelas ou por meio delas ou a partir delas existem as coisas.
18 - De que natureza são estas coisas, ó Trismegistos!
- Material, por assim dizer, é a substância de cada uma das formas sensíveis que há no mundo, seja qual for a sua forma; por isto a matéria nutre os corpos, e o sopro as almas. Porém o intelecto, esse dom celestial da humanidade do qual apenas a humanidade possui o afortunado gozo - e assim mesmo nem todos os seus membros, apenas um reduzido número, o daqueles cuja alma está disposta de tal forma que está apta a receber um benefício tão grande; o intelecto é a luz da alma humana da mesma maneira que o sol o é do mundo, e a ilumina mais ainda: pois tudo o que é iluminado pelo sol se vê privado de tempo em tempo desta luz pela interposição da terra e da lua quando chega a noite, o intelecto uma vez tendo se mesclado e fundido com a alma humana se faz uma única e mesma substância com ela por meio de uma íntima fusão, de forma que as almas assim mescladas nunca mais são obscurecidas pelas trevas do erro. Por esta razão diz-se com acerto que a alma dos deuses em sua totalidade são formadas pelo intelecto. Eu não afirmo que assim sejam as almas de todos os deuses, mas tão-somente a dos grandes deuses, dos deuses superiores.
- Quais são os deuses aos quais chamamos chefes das coisas ou princípios das causas absolutamente primeiras, ó Trismegistos?
- Vou desvelar-te grandes segredos, vou desvelar-te mistérios divinos e antes de começar, imploro o favor celestial.
Há muitos gêneros de deuses, dentre esse número, uns são inteligíveis, outros sensíveis. Ao chamar alguns de inteligíveis não se quer dizer que permaneçam à margem de nosso conhecimento: longe disto, conhecemo-los melhor que àqueles que chamamos visíveis; esta exposição o fará ver e o verás por ti mesmo se prestares atenção. Pois esta doutrina sublime e por isto mesmo demasiado divina para não superar as forças da inteligência humana, se não a  recebes ouvindo com todos os teus ouvidos as palavras do mestre, não farás mais que voar e fluir através do espírito, ou melhor ainda virá a refluir sobre si mesmo e a confundir-se em sua fonte.
Existem pois os deuses chefes das espécies em primeiro lugar. Depois deles vêm os deuses cuja essência tem um chefe: são estes deuses sensíveis e feitos à semelhança de sua dupla origem, os que, de um lado e outro do mundo sensível, produzem todos os seres, um por meio do outro, iluminando cada um dele; a obra que criou ou cria.
O Ousiarca do céu é Júpiter, através do céu dispensando a vida e todos os seres. O Ousiarca do sol é a luz; depois por mediação do círculo solar se difunde sobre nós o bem da luz. Os Trinta e Seis chamados Horóscopos, isto é, os astros que sempre se encontram fixos no mesmo lugar, têm como Ousiarca o chefe ou deus chamado Pantomorfos ou Omniforme, que impõe suas diversas formas aos diversos indivíduos de cada espécie. As chamadas Sete Esferas têm como Ousiarcas, isto é, como seus chefes, às chamadas Fortuna e Heimarmene, pelos quais as coisas se transformam segundo a lei da natureza a uma ordem absolutamente determinada, que permanece contudo diversificada por um momento perpétuo. O ar é o órgão, isto é, o  instrumento de todos os deuses por mediação do qual se produzem as coisas; e o Ousiarca do ar é o segundo às coisas imortais as mortais e a estas suas semelhantes. Nestas condições, as coisas possuem entre si uma conexão através de mútuas relações em uma cadeia que abarca da mais baixa à mais alta. Porém, as coisas mortais estão ligadas às imortais, as sensíveis às que não são percebidas pelos sentidos. Enquanto o conjunto da criação obedece a este governador supremo que é o senhor, de forma que compõem não uma multiplicidade mas uma unidade. Pois, como todos os seres dependem do Um e são provenientes do Uno, ainda que vistos separadamente pareçam constituir uma infinidade em número, quando se os considera reunidos formam apenas uma unidade, ou melhor ainda, uma parelha, aquilo de que tudo procede e pelo que tudo é produzido, isto é, a matéria com que as coisas são feitas e a vontade de Deus cujo decreto as faz existir em sua diversidade.
20 - E qual é esta doutrina, ó Trismegistos?
- A seguinte, Asclépios. Deus, ou o Pai, ou o Senhor das coisas, ou qualquer nome que os humanos de uma maneira mais santa ou mais repleta de reverência o designem; nome que a necessidade em que nos vemos de nos comunicar uns aos outros faz com que consideremos sagrado; de forma que se consideramos a majestade de um Ser tão grande, nenhum destes nomes tem o poder de defini-lo com exatidão. Pois se o nome não é mais do que isto, um som que provém do choque de nosso alento com o ar, para declarar toda vontade ou pensamento que o ser humano tenha podido conceber em seu espírito a partir das impressões sensíveis, um nome cuja substância, composta de um pequeno número de sílabas está inteiramente delimitada e circunscrita a fim de fazer possível entre os humanos o intercâmbio indispensável entre o que fala e o que escuta, se o nome, digo, é mais que isto, a totalidade do nome de Deus inclui ao mesmo tempo a impressão sensível, o alento, o ar e tudo aquilo que existe nestas três coisas ou por seu intermédio ou como resultado das três: bem, não há nenhuma esperança de que o Criador da majestade do Todo, o pai e o senhor de todos os seres, possa ser designado por meio de um único nome, nem sequer composto de uma pluraridade de nomes; Deus não tem nome ou melhor ainda, possui todos, posto que é ao mesmo tempo Um e Todo, de modo que é preciso ou designar as coisas com seu nome ou então dar-lhe o nome das coisas; Deus, portanto, que é as coisas por si só, infinitamente repleto da fecundidade dos dois sexos, prenhe pela sua própria vontade, sempre, dá à luz e tudo que tenha planejado ou decidido procriar. A sua vontade é, inteiramente, bondade. E essa bondade que existe também em todos os seres saiu naturalmente da divindade  de Deus, para que os seres sejam como são e como têm sido e para que todos os seres que tenham que existir na seqüência procurem, de maneira adequada, a faculdade de reproduzir-se. Seja-te, pois, desvelada nestes termos, ó Asclépios, a doutrina acerca das causas e o modo de produção dos seres.
21 - Dizes então, ó Trismegistos, que Deus possui os dois sexos?
- Sim, Asclépios, e não somente Deus, mas todos os seres animados e inanimados. Não é possível que nenhum dos seres que exista seja infecundo pois caso se retire a fecundidade de todos os seres que existem neste momento, as raças atuais não poderão durar para sempre. De minha parte declaro que também está na natureza dos seres o sentir e o engendrar e digo que o mundo possui em si mesmo a capacidade de engendrar e que conserva todas as raças que uma vez tenham vindo a ser. Porque um e outros sexos estão cheios de força procriadora e a união destes dois sexos ou melhor, sua unificação, que pode ser denominada corretamente Eros ou Vênus ou as duas coisas ao mesmo tempo, é algo incompreensível para o entendimento.
Grava pois em teu espírito, como uma verdade mais certa e evidente que nenhuma, que este grande soberano de toda a natureza, Deus, inventou para todos os seres e concedeu a todos este mistério de reprodução eterna, com tudo o que traz consigo de afeto, felicidade, alegria, desejo e amor, dom de Deus. E este seria o lugar de dizer quanta força tem esse mistério para prender-nos, se cada um de nós, examinando a si mesmo, não soubesse pelos seus sentimentos mais íntimos. Pois se consideras este momento supremo em que, graças a um roçar continuado, chegamos ao resultado que as duas naturezas derramam uma na outra sua semente, de que uma das duas se apopera avidamente para encerrá-la em si mesma, nesse ponto comprovas que, por uma fusão das duas naturezas, a mulher adquire o vigor do varão; o varão se relaxa ou se abandona em um langor feminino. Por isto o ato desse mistério, por muito doce e necessário que pareça, se realiza em segredo para que as zombarias do vulgo ignorante não fizessem corar à divindade, que se manifesta em uma e outra natureza nessa fusão dos sexos, particularmente quando se o expõe aos olhos dos ímpios.
22 Pois os homens piedosos não são numerosos: tão pouco numerosos que seria possível contá-los em todo universo. Bem, se na grande maioria persiste a malícia, é porque carece de sabedoria e conhecimento do conjunto das coisas. Pois é preciso ter compreendido o plano divino, de acordo com o qual foi constituído o universo, para menosprezar os vícios de tudo o que é matéria e remediá-los. Porém, quando a ignorância e a imperícia se alargam, todos esses vícios, adquirindo cada vez mais força, ferem a alma com pecados incuráveis; e a alma, infectada e corrompida por eles, se encontra como que inchada por venenos exceto naqueles que tenham encontrado o remédio soberano da ciência e do conhecimento.
lsto posto, ainda que não tivesse que servir a outros homens que não estes, que representam um número reduzido, vale a pena prosseguir e concluir o tema que estamos tratando: porque tão-somente ao ser humano a divindade dignou-se conceder o conhecimento a ciência que lhe pertencem. Escuta, pois.
Quando Deus, o Pai, e o Senhor, criou, depois dos deuses, os humanos, combinando neles em proporções iguais o elemento corruptível da natureza e o elemento divino, sucedeu que os vícios da matéria, uma vez mesclados aos corpos, se arraigaram nestes, bem como outros vícios procedentes dos alimentos e o alimento que nos vemos forçados a tomar como todo ser vivente, de onde se segue necessariamente que os desejos da concupiscência e todos os demais vícios da alma encontram lugar no coração humano. Enquanto que os deuses que foram formados da parte mais pura da natureza e não têm nenhuma necessidade da ajuda da razão e da ciência, embora a imortalidade e o vigor de uma juventude eterna lhes façam às vezes de sabedoria a ciência para salvaguardar e unidade de seu plano, como ciência a inteligência, a fim de que não ficassem desprovidos desses bens, Deus, por um decreto eterno, constituiu para eles e prescreveu-lhes em forma de lei e ordem da necessidade, enquanto distinguia o ser humano dentre todos os viventes e o reconhecia como seu pelo privilégio único da razão e da ciência, graças às quais a humanidade pode apartar e rechaçar para longe de si os vícios inerentes ao corpo e se dirigir à esperança da imortalidade e tender a ela. Em uma palavra, a fim de que o ser humano  pudesse ser bom e capaz da imortalidade, Deus o compõs de duas naturezas, a divina e a mortal: e deste modo a vontade divina decretou que o ser humano fosse melhor constituído que os deuses, que foram conformados exclusivamente da natureza imortal que todo o resto dos mortais. Por isto, enquanto o ser humano unido aos deuses por um vínculo de parentesco, os adora piedosamente na santidade do espírito, os deuses por sua vez velam do alto, com um terno amor, sobre os assuntos humanos, tomando-os sob sua custódia.
23 Porém falo tão somente deste reduzido número que recebeu o dom de uma alma piedosa; dos maus mais vale nada dizer, pois temo que, pensando neles possa resultar maculada a sublime santidade deste raciocínio.
E como foi anunciado o tema do parentesco e o consórcio que liga homens e deuses, convém, Asclépios, que conheças o poder e a força do homem. Do mesmo modo que o Senhor ou o Pai ou, para dar-lhe seu nome mais alto, Deus, é o criador dos deuses, do céu, também o ser humano é o autor dos deuses que residem nos templos e que encontram satisfação na vizinhança dos humanos: não somente recebe a luz, como a dá por sua vez, não somente avança para Deus, mas também cria deuses. Sentes admiração, ó Asclépios, ou to sentes sem fé, como a maioria?
- Sinto-me confuso, ó Trismegistos, porém me rendo gostosamente a tuas proposições e considero o ser humano infinitamente ditoso, pois conseguiu uma felicidade de tal índole.
- Certamente, merece que se o admire, ele, o maior de todos os seres. É uma crença universal que a raça dos deuses saiu da parte mais pura da natureza, e que seus signos visíveis não são, por assim dizer, mais que cabeças no lugar de corpos inteiros. Por outro lado, as imagens dos deuces que o ser humano modela foram formadas das duas naturezas, da divina que é a mais pura e muito mais divina e da que está abaixo do homem, isto é, da matéria que serviu para fabricá-las, ademais, suas figuras não se limitam somente à cabeça, mas possui um corpo inteiro com todos os membros. Assim a humanidade que sempre recorda sua natureza e sua origem, avança até nisto a imitação da divindade e, assim como o Pai e o Senhor dotou aos deuses de eternidade para que fossem semelhantes a Ele, da mesma maneira o ser humano modela os seus próprios deuses à semelhança de seu rosto.
24 - Referes-te, ó Trismegistos, às estátuas?
- Sim, às estátuas, Asclépios. Vês como careces de fé? Trata-se de estátuas dotadas de uma alma, conscientes, cheias de sopro vital, e que realizam um número incalculável de prodígios; estátuas que conhecem o futuro e o predizem pelas sortes, a inspiração profética, os sonhos e muitos outros métodos, que enviam aos homens as enfermidades e as curam, que concedem, segundo nossos méritos, a dor ou a fortuna.
Desconheces então, ó Asclépios, que o Egito é a cópia do céu ou, para melhor dizer, o lugar em que se transferem e projetam cá embaixo todas as operações que dirigem e põem em obra as forças celestes? Mais ainda, tem que se dizer toda verdade, nossa terra é o templo do mundo inteiro.
E, no entanto, como aos sábios convém conhecer de antemão às coisas futuras, há uma que é preciso que conheças. Virá um tempo em que parecerá que os egípcios honraram em vão a seus deuses, na piedade de seu coração, através de um culto assíduo: toda sua santa adoração fracassará por ineficaz, será privada de seu fruto. Os deuses abandonando a terra, volver-se-ão para o céu, abandonarão o Egito; este país que foi em outro tempo o domicílio das liturgias santas, viúvo agora de seus deuses, não gozará mais de sua presença. Estrangeiros virão a habitar este país, esta terra, e não ela somente, se deixará de prestar atenção às observâncias, mas, coisa ainda mais penosa, mandar-se-á, por meio de presumidas leis, sob castigos prescritos, abster-se de toda prática religiosa, de todo ato de piedade ou de culto para com os deuces. Então, esta terra santíssima, pátria dos santuários dos templos, permanecerá totalmente coberta de sepulcros e de mortos. Oh! Egito, Egito! de teus cultos restarão apenas mitos e nem sequer teus filhos, mais tarde, crerão neles, nada sobreviverá, a não ser as palavras gravadas sobre as pedras que contam tuas piedosas façanhas. O cita, ou o hindu, ou qualquer outro semelhante a eles, isto é, um vizinho bárbaro se estabelecerá no Egito. Porque eis que daqui a divindade sobe aos céus de novo, os homens abandonados, morrerão todos e então, sem deus e sem humano, o Egito não será mais que um deserto. Dirijo-me a ti, rio santíssimo, e a ti predigo as coisas do futuro: torrentes de sangue to encherão até as margens e transbordarás, e não somente tuas águas divinas serão manchadas por este sangue, mas também este fará com que saiam de seu leito e haverá muito mais mortos que vivos; enquanto que aquele que haja sobrevivido só será reconhecido como egípcio pela sua língua: na sua forma de agir parecerá um ser humano de outra raça.
25 Por que chorar, ó Asclépios? O mesmo Egito se deixará arrastar e muito mais que isto, e a algo muito pior: será maculado com crimes muito mais graves. Ele, noutro tempo o santo, que tanto amava aos deuses, único país da terra em que os deuses haviam assentado moradia para corresponder à sua devoção, ele, que ensinava aos homens e santidade e a piedade, dará exemplo da mais atroz crueldade. Nessa hora, cansados de viver, os humanos não olharão o mundo como objeto de sua admiração e reverência. Este Todo, que é uma coisa boa, a melhor que se pode ver no passado, no presente e no futuro, estará em perigo de perecer, os humanos o considerarão como um peso duro e, por ele mesmo, se menosprezará e não se amará mais a este conjunto do universo, obra incomparável de Deus, construção gloriosa, criação, toda ela boa, feita de uma infinita diversidade de formas, instrumento da vontade de Deus que, sem ciúme, prodigaliza seus favores em toda sua obra, onde se reúne em um mesmo todo, numa harmoniosa disparidade, tudo o que pode oferecer-se à vista que seja digno de reverência, louvor e amor. Porque as trevas serão preferidas à luz, se achará mais útil morrer que viver, ninguém mais levantará seus olhos para o céu; o ser humano piedoso será olhado como um louco, o ímpio como um sábio; o louco frenético será olhado como um valente, o pior criminoso como um ser humano de bem. A alma e todas as crenças que a ela se referem, segundo as quais a alma é imortal por natureza, ou que haverá de obter a imortalidade, conforme ensinei, serão apenas motivo de riso, mais ainda serão vistas como pura vanidade. Inclusive, creia-me, será um crime capital, segundo os textos da lei, o estar dedicado à religião do espírito. Será criado um novo direito, novas leis. Nada santo, nada piedoso, digno do céu e dos deuses que o habitam se fará ouvir jamais nem se achará fé em parte alguma da alma.
Produz-se uma dolorosa separação entre homens e deuses; restam apenas os anjos nocivos que se mesclam aos humanos e os constrangem pela violência, desventurados, e todos os excessos de uma audácia criminosa, comprometendo-os em guerras, piratarias, más ações e em tudo o que é contrário à natureza da alma. A terra perderá então seu equilíbrio, o mar deixará de ser navegável, o céu não estará manchado de estrelas, os astros deterão sua marcha pelo céu;  toda voz divina será forçada ao silêncio e se calará; os frutos da terra apodrecerão, o solo deixará de ser fértil, o próprio ar se intumescerá num lúgubre torpor.
26 Isto, pois, será a velhice do mundo: irreligião, desordem, irracional confusão de todos os bens. Quando essas coisas tiverem sucedido, ó Asclépios, estão o Senhor, e o Pai, o Deus primeiro em potência e demiurgo do deus uno, depois de haver considerado estes costumes e estes crimes voluntários, oferecendo resistência com sua vontade, que é a bondade divina, aos vícios e à corrupção universal, e corrigindo o erro, aniquilará toda a malícia, apagando-a através de um dilúvio, consumindo-a através do fogo, destruindo-a através de enfermidades pestilenciais estendidas a diversos lugares; logo conduzirá o mundo à sua beleza primeva, para que este mesmo mundo pareça novamente digno de reverência e admiração e para que também Deus, criador e restaurador de uma obra tão grande, seja glorificado pelos homens que vivam, então, com contínuos hinos de louvor e bênção. Aqui se dará na realidade o nascimento do mundo: uma renovação das coisas boas, uma restauração santa e soleníssima da própria natureza, imposta pela força com o correr do tempo (porém por vontade divina) que é aquilo que foi sem começo nem fim. Pois a vontade de Deus não teve começo, é sempre a mesma e o que é hoje segue sendo eternamente. Pois o conselho da vontade de Deus nada mais é que sua essência.

- Este conselho é, pois, o Bem supremo, oh! Trismegistos?

- É o conselho, Asclépios, o que dá nascimento à vontade, do mesmo modo que esta por sua vez faz nascer o próprio ato do querer. Pois o que possui as coisas nada quer ao acaso, mas quer tudo o que possui. Agora bem, quer tudo o que é bom, e é tudo o que possui. Tudo o que propõe e quer, é, pois, bom. Assim é Deus: e o mundo é sua imagem, obra de um Deus bom, e portanto, bom.
27 - Bom, Tismegistos?
Sim, bom, Asclépios, e vou demonstrar-te. Da mesma maneira que Deus dispensa e distribui a todos os indivíduos e gêneros que existem no mundo seus benefícios, isto é, o intelecto, a alma e a vida, também o mundo produz e dá as coisas que os mortais consideram boas, isto é, a sucessão dos nascimentos no seu tempo, a formação, crescimento a maturação dos frutos da terra e outros bens semelhantes.
Estabelecido na maior altitude do céu supremo, Deus está em todas as partes e passeia  seu olhar sobre as coisas - pois existe um lugar além do próprio céu, lugar sem estrelas, muito afastado das coisas corporais. O que dispensa a vida ao que chamamos de Júpiter ocupa o lugar intermediário entre o céu e a terra. A terra e o mar estão sob o poder de Júpiter Plutônio: é o que nutre a todos os viventes mortais e aos que dão fruto. Assim, graças às virtudes ativas de todos estes deuses os produtos do solo, as árvores e a própria terra devem subsistir. Porém existem ainda outros deuses cujas virtudes ativas e cujas operações vão distribuir-se através de tudo o que existe. Esses deuses cujo domínio se exerce sobre a terra serão restaurados qualquer dia e instalados numa cidade no limite extremo do Egito, uma cidade que será fundada do lado do sol poente e à qual afluirão, por terra e por mar, as raças dos mortais.
- Diga-me, todavia, ó Trismegistos, onde se encontram no momento estes deuses da terra? - Instalaram-se numa magnífica cidade, sobre a montanha da Líbia. Porém isto é o suficiente quanto a este tema.
Precisa-se tratar agora do mortal e do imortal. Porque a espera e o temor da morte são um suplício para a maior parte dos homens por ignorarem a verdadeira doutrina.
A morte é o resultado da dissolução do corpo gasto pelo trabalho, uma vez cumprido o número de anos durante o qual os membros do corpo se mantém ajustados para perfazer um todo único, instrumento bem disposto para as funções da vida: o corpo morre quando deixa de ter força para suportar as cargas da vida humana. A morte é isto: dissolução do corpo a desaparição da sensibilidade corporal; e é desnecessário inquietar-se por isso. Porém existe um outro motivo de inquietude, este necessário, que os homens menosprezam porque o ignoram ou porque não crêem nele.
- Que é isto, ó Trismegistos, que os homens ignoram ou cuja possibilidade põem em dúvida?
28 - Escuta pois, Asclépios. Assim que a alma tenha se retirado do corpo, passará ao domínio do Daimon supremo que a submeterá a juízo a fim de avaliar seus méritos. Se uma vez examinada a fundo este comprova que ela sempre se mostrou piedosa e justa, a autoriza a estabelecer-se na morada que lhe corresponde; contrariamente, se a vê manchada das impurezas do pecado e suja pelos vícios, precipita-a às profundezas, abandonando-a às tormentas e aos turbilhões que os ares enfrentam sem cessar, e também o fogo e a água, a fim de que por castigo eterno, seja sacudida e arrastada em sentidos contrários pelas vagas sucessivas da matéria entre a terra e o céu: mais ainda, a própria eternidade da alma não faz mais que daná-la, pois se encontra condenada a um suplício eterno em virtude de uma sentença que não tem fim. Saiba, pois, que temos de temer, assustarmo-nos, e evitar chegar a ser presas de uma tal sorte: pois os incrédulos, depois de terem pecado, ver-se-ão forçados a crer, não pelas palavras, mas pelos fatos, não pelas ameaças, mas pelo próprio sofrimento do castigo.
- Então, ó Trismegistos, não é apenas a lei humana que castiga os pecados dos humanos?
- Em primeiro lugar, Asclépios, tudo o que é terrestre é mortal; e também o são os seres que estão dotados de vida segundo a condição corpórea e que por isso mesmo deixam de viver nessa condição. Todos esses seres, pois, ao estarem submetidos a castigos proporcionados pelo que sua vida e suas faltas merecem, são castigados depois da morte, com penas tanto mais severas quanto suas faltas, durante a vida puderam ser mantidas ocultas. Porque a divindade conhece nossas ações, de forma que os castigos corresponderão exatamente à qualidade das faltas.
29 - Quais são os que merecem as maiores penas, ó Trismegistos?
- São aqueles que, tendo sido condenados pelas leis humanas, perecem de morte violenta, de forma que parecem ter entregado a vida não como uma dívida paga à natureza, mas o preço de seus crimes. O ser humano justo, contrariamente, encontra sua defesa no culto de Deus e na piedade mais elevada: porque Deus protege tais homens contra toda espécie de mal. Efetivamente, o Pai ou Senhor das coisas, aquele que por si só é tudo, se desvela com prazer a todos. Não se dá a conhecer como algo situado num lugar, nem dotado de uma determinada qualidade ou magnitude, apenas ilumina o ser humano com esse conhecimento que pertence apenas ao intelecto; e então o ser humano, depois de ter expulsado da alma as trevas do erro e haver adquirido a luz da verdade, se une com todo seu intelecto à inteligência divina, cujo amor o libertou desta parte de sua natureza pela qual é mortal e o fez conceber uma firme esperança na imortalidade futura. Esta a distância que haverá entre bons e maus. Todo ser humano bom é iluminado pela piedade, pela religião, sabedoria, o culto e a adoração de Deus; penetra, como se o fizesse com os olhos, a verdadeira razão das coisas, firmemente seguro de sua fé, supera aos demais humanos tanto quanto o sol supera em luminosidade aos outros astros do céu. Ademais, o mesmo sol, se ilumina o resto das estrelas não é tanto pela potência de sua luz como pela sua divindade e santidade. E é a ele que em verdade deves considerar como o segundo Deus que governa as coisas, que difunde sua luz sobre os viventes da terra, os que possuem uma alma e os que não a têm.
Bem, se o mundo é um vivente que sempre está em vida, no passado, no presente, no futuro, nada no mundo pode morrer. Como cada uma das partes do mundo está sempre em vida, tal qual é, segundo seu próprio ser, como, por outro lado, se encontra num mundo que é sempre uno e que é vivente a um vivente sempre em vida, não permanece no mundo um lugar para a morte. É preciso portanto que o mundo esteja repleto, infinitamente, de vida e de eternidade, posto que deve sempre, necessariamente, viver. O sol, por conseguinte, posto que o mundo é eterno, governa também eternamente as coisas capazes de viver, isto é, a vitalidade inteira, que distribui através de uma contínua doação. - Deus governa, pois, eternamente as coisas viventes, isto é, capazes de viver, que existem no mundo e dispensa eternamente a vida. Bem dispensou-a, em verdade, de uma vez por todas, a vida é conferida às coisas que são capazes de viver por uma lei eterna, da maneira que vou dizer.

Continua...

domingo, 7 de junho de 2020

Reflexão Casual XCIV



NÃO SEJA ESCRAVO DOS BANCOS, SEJA PARCEIRO DO TEMPO!!

"Se você está precisando de dinheiro não se precipite em ser escravo dos BANCOS, seja inteligente e paciente pois é melhor juntar de grão em grão na parceria do TEMPO do que ser arrastado por CORRENTES feito cão na mão do seu Senhor (Capitalista). "

Paulinopax